Uma coisa é ficar na fila para assistir ao filme de grande sucesso “Oppenheimer”. Outra coisa completamente única é fazer fila em um deserto remoto para visitar o local da cena mais importante do filme.
Mas se você é um fã da história atômica e pode visitar o centro do Novo México, nos Estados Unidos, em outubro, sua peregrinação pela Jornada del Muerto (Jornada do Homem Morto) valerá muito a pena.
Sábado, dia 21 de outubro, apresenta uma rara oportunidade de visitar não apenas um, mas dois destinos cientificamente significativos e famosos pelo cinema no mesmo dia – cada um ocupando extremos opostos do espectro eletromagnético.
Trinity Site é o marco histórico que abrigou a primeira explosão nuclear da humanidade em 16 de julho de 1945, onde raios gama de plutônio iluminaram o céu noturno. Neste local são hospedados apenas dois eventos abertos por ano.
E enquanto você estiver na área, um bônus extraordinário é uma segunda visitação pública gratuita destinada especificamente aos aventureiros do Trinity Site que estão dispostos a dirigir mais 160 quilômetros para ter uma segunda experiência alucinante.
É o Very Large Array Radio Observatory (VLA), que foi dramatizado no filme de 1997 sobre vida alienígena “Contato”. O telescópio VLA pode expandir-se para além da cidade de Nova York, sendo capaz de captar os sussurros de ondas de rádio distantes à medida que ondulam pelo nosso cosmos.
Acesso raro ao Trinity Site
O Trinity Site abre apenas dois sábados por ano. Uma vez em abril, e para sorte dos entusiastas de “Oppenheimer”, novamente em outubro. As datas exatas são anunciadas com antecedência todos os anos pelo Exército dos EUA.
O local é uma instalação militar segura dentro do proibido Campo de Mísseis de White Sands, onde armas reais são testadas regularmente. O terreno é um planalto desértico elevado, pontilhado de arbustos de creosoto e nada mais.
Em nossa aglomeração diária de multidões, trânsito e shoppings, os quilômetros de paisagem aberta e as vistas de cobalto da Terra do Encantamento inspiram. A impressão de Buzz Aldrin sobre a superfície da Lua é paralela ao Trinity Site, uma “magnífica desolação”.
Quando J. Robert Oppenheimer, o físico teórico conhecido como o “pai da bomba atômica”, liderou a sua equipe do Projeto Manhattan até Trinity, não foi apenas para isolamento. Ele tinha uma história com o Novo México, frequentando acampamentos de verão para meninos durante sua juventude.
Devido à popularidade do filme “Oppenheimer”, é esperado um aumento de visitantes em 21 de outubro. O evento aberto, organizado pelo Exército dos EUA, é gratuito, mas limitado aos primeiros 5 mil visitantes, por ordem de chegada.
Como chegar lá
Do aeroporto internacional de Albuquerque Sunport, sua melhor opção é alugar um carro para fazer a viagem de duas horas ao sul. É fácil se perder durante a viagem, portanto siga as instruções do Exército, pois as instruções do GPS podem ser instáveis. Tire fotos da rota mapeada em seu telefone – você pode perder o serviço de celular – e tenha um mapa físico como segunda opção.
Procure chegar ao Trinity’s Stallion Gate antes das 8h, quando o portão abre. Já haverá uma fila. Chegue cedo e você ainda terá tempo de sobra para a segunda aventura do dia. Oficiais do Exército verificarão sua identidade no portão e, de lá, será uma viagem de 27 quilômetros até um estacionamento localizado a 400 metros a pé do motivo pelo qual você veio – o Marco Zero.
A atmosfera do Trinity Site durante uma visitação pública lembra um carnaval de uma pequena cidade de uma época passada. Vendedores oferecendo bugigangas de lembrança. Crianças em carrinhos. Cachorros abanando o rabo. Isso até você notar a tenda exibindo contadores Geiger. E outra com Trinitita radioativa, a misteriosa rocha de vidro verde que choveu com a explosão da bomba.
Placas ameaçadoras na cerca lembram aos hóspedes que é contra a lei remover quaisquer pedaços de Trinitita que eles encontrem no solo, porque os fragmentos ingeridos retêm radioatividade suficiente para serem perigosos.
A famosa Casa do Rancho McDonald de 1918, onde o núcleo crítico de plutônio da bomba foi montado no quarto principal, sobreviveu à onda de choque a três quilômetros de distância, praticamente intacta. Os ônibus transportam visitantes gratuitamente do estacionamento do Trinity até a casa McDonald.
Aventure-se mais longe e fique ao lado de uma réplica em tamanho real do Fat Man, a bomba nuclear lançada em Nagasaki, no Japão, em 9 de agosto de 1945.
Os visitantes podem posar para fotos dentro do Jumbo, o cilindro de aço de 216 toneladas que os cientistas consideraram detonar a bomba – apelidado de Gadget – para conter seu núcleo de plutônio se a detonação total falhasse.
Visitando o Marco Zero
Chega o momento de nos aproximarmos do Marco Zero, marcado simplesmente por um obelisco de pedra preta com 3,66 metros de altura.
Volte no tempo até a madrugada de 16 de julho de 1945. Olhe para o norte, oeste e sul, onde a equipe de Oppenheimer estava agachada em três bunkers, a oito quilômetros de distância. Você está onde o curso da humanidade mudou. Onde os limites da física e das possibilidades se estenderam.
Imagine a torre de aço de 30 metros de altura que ficava onde hoje está o obelisco. A poucos metros de distância, restam apenas partes da torre, a maior parte aniquilada na explosão. Veja em sua mente os colchões puxados e empilhados para amortecer a queda caso as correntes se rompam ao içar o pesado Gadget no ar.
Jovens cientistas se revezando durante a noite cuidando da bomba enquanto os estalos dos relâmpagos ameaçavam. Oppenheimer escreveu o poema “Crossing” duas décadas antes de Trinity. Suas palavras continham a passagem profética: “…nas colinas secas perto do rio, meio murchas, tínhamos ventos quentes contra nós”. Ele não poderia ter imaginado o calor que reverberaria.
Agora feche os olhos. Ignore o que você vê para imaginar a história que você não pode ver. As tempestades sobre as montanhas. O governador do Novo México, John Dempsey, em casa dormindo, sem saber quando a explosão ocorrerá. Finalmente, a névoa da chuva se dissipa. A contagem regressiva começa. Há uma sensação de pavor, por mais remota que seja, de que a atmosfera da Terra possa inflamar-se numa reação em cadeia cataclísmica.
E finalmente, a detonação. O primeiro gênio nuclear quebra a sua garrafa, libertando a ferocidade do átomo, com uma explosão 10 mil vezes mais quente que o nosso sol. Trinta e sete minutos depois, o céu ferido ilumina novamente, ao amanhecer do primeiro nascer do sol atômico do homem.
Reflita sobre a flagrante omissão de que, embora a área ao redor de Trinity fosse remota, não era despovoada.
Os civis que moravam ali perto, sujeitos à precipitação radioativa que caía do céu, foram assegurados de que o clarão e a fúria que alguns viram e ouviram era uma explosão de munição na vizinha Base Aérea de Alamogordo. Depois que as bombas atômicas foram lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki no mês seguinte, eles reconheceram a dura verdade.
Jim Eckles, um historiador do Exército que supervisionou décadas de eventos abertos do Trinity, compartilhou o significado do local: “O filme ‘Oppenheimer’ ressuscitou preocupações que perdemos de vista. Que milhares de mísseis com ogivas nucleares ainda estão por aí, capazes de serem lançados. Precisamos de pessoas inteligentes e sábias para lidar com a sequência que começou em Trinity”.
Viajando para as periferias da galáxia
Depois de vivenciar a solene jornada interior de Trinity, é hora de se reagrupar e explorar o exterior – até as periferias cheias de esperança da galáxia. O radiotelescópio mais impressionante do mundo – o Very Large Array – também é gratuito para os visitantes no dia 21 de outubro.
Pegue a Highway 380 de volta à Interstate 25 e a rota para o VLA, 80 quilômetros a oeste de Socorro, está bem sinalizada.
Ao longo do caminho, você pode parar para almoçar no mesmo bar frequentado pela equipe de Oppenheimer, o Owl Bar & Café, em San Antonio. O Novo México designou recentemente o doce aroma das pimentas verdes torradas como aroma oficial do estado, e você pode saboreá-las em seus famosos hambúrgueres Owl.
Dirigindo para oeste, passando por Socorro, a elevação aumenta. O VLA fica a mais de 2,1 mil metros de altura nas planícies de San Agustin, rodeado por uma fortaleza de montanhas para bloquear a interferência de rádio da civilização, enquanto os astrônomos procuram nas profundezas do céu.
“As pessoas acham inspirador o primeiro vislumbre de antenas na extensa planície desértica”, disse Patricia Henning, diretora do VLA.
Cada um dos 27 pratos colossais mede 25 metros de diâmetro e é motorizado para girar e inclinar. Montados em trilhos de trem, eles podem se espalhar por quilômetros em seu icônico formato de “Y”. De acordo com Henning, quanto mais a matriz estica os braços, maior fica o olho para ampliar.
A maioria das pessoas está familiarizada com os telescópios tradicionais que captam luz. Mas o VLA capta ondas de rádio que ocorrem naturalmente em objetos no espaço, bilhões de vezes mais fracas do que as ondas de rádio transmitidas, e depois transforma-as eletronicamente em imagens.
É o radiotelescópio mais utilizado no mundo, mapeando o cosmos desde o nosso sistema solar e a Via Láctea até nuvens de gás distantes e expulsão de plasma de buracos negros supermassivos