Anápolis vive um ponto de inflexão. E não é uma crise gerada por empresários, políticos ou setores isolados. É o efeito silencioso de um mecanismo institucional que, ao longo do tempo, criou um desequilíbrio profundo no acesso ao solo urbano e limitou a concorrência no mercado de loteamentos.
Trabalho diariamente com consultoria imobiliária, desenvolvimento de projetos e análise de viabilidade urbana. Acompanho loteamentos desde o plano diretor até a entrega da infraestrutura. Por isso, o que descrevo aqui não nasce de opinião pessoal — nasce de técnica, experiência e senso de responsabilidade com o futuro da cidade.
Hoje, a legislação municipal exige que um loteamento aberto só possa iniciar as vendas após 100% da infraestrutura pronta. Em teoria, é uma regra protetiva ao comprador. Na prática, essa exigência gera uma distorção grave: Apenas um agente regional consegue atender essa regra com facilidade.
Isso cria um cenário de quase-monopólio involuntário — não porque alguém manipula o mercado, mas porque a própria lei cria uma barreira de entrada que nenhum empreendedor comum consegue superar.
Quando só existe um fornecedor, algo inevitável acontece:
• a concorrência desaparece;
• o preço dos lotes sobe;
• novas empresas deixam de entrar;
• a expansão urbana fica concentrada;
• a cidade cresce menos, mais devagar e para menos pessoas.
Importante deixar claro: o problema não é uma empresa. O problema é o mecanismo. E, enquanto o mercado travou nos loteamentos abertos, uma porta paralela se abriu: os condomínios fechados. São excelentes produtos, mas não atendem a maioria da população.
O resultado é um desvio estrutural: a regra criada para proteger acabou expulsando justamente quem mais precisa de acesso ao solo urbano.
Diante disso, busquei caminhos institucionais. Conversas, apresentações, dados. Tentei tratar tecnicamente, com responsabilidade. Não fui ouvido. E quando você entende por que não foi ouvido, percebe que, se esse debate não chegar à população, nada muda.
Por isso escrevo este artigo. Porque acredito que o mercado só é saudável quando é justo, que uma cidade só cresce quando há variedade e equilíbrio, e que distorções técnicas precisam ser corrigidas antes que se tornem problemas sociais permanentes.
A solução existe — e já funciona no Brasil inteiro
O que proponho não é flexibilizar responsabilidade. É modernizar o instrumento de garantia. Em dezenas de cidades brasileiras, o desenvolvimento urbano funciona com seguro-garantia e caucionamento dos lotes como mecanismos de proteção ao comprador.

Esses instrumentos asseguram a execução da infraestrutura com a mesma segurança — ou superior — à regra atual, mas sem bloquear novos empreendedores e sem concentrar o mercado.
Seguro-garantia: A seguradora assume o risco. Se o empreendedor falhar, a seguradora executa.
Caucionamento de lotes: Parte dos lotes fica caucionada como garantia, e só é liberada conforme as obras avançam.
Isso protege o comprador, garante a cidade e, ao mesmo tempo, viabiliza novos projetos sem exigir capital impossível de pequenos e médios empreendedores.
É o padrão moderno. É o modelo mais utilizado no país. É o mecanismo que funciona. Se outras cidades conseguem garantir segurança jurídica sem bloquear o mercado, Anápolis também pode.
O impacto para o cidadão
Quando a regra trava o mercado, não é o empresário que sofre primeiro. É o cidadão. O jovem que quer construir. O trabalhador que quer comprar seu lote. A família que quer sair do aluguel. A empresa que quer expandir. O investidor pequeno que guarda o que pode para ter seu terreno. Quando o preço do solo se afasta da renda das famílias, a cidade cresce apenas para poucos.
A posição que defendo
Não estou acusando, apontando culpados ou atacando quem investe. Empresas atuam dentro das regras que recebem. E fazem o que qualquer empresa faria. O que defendo é simples e legítimo:
Regras equilibradas.
Mecanismos modernos.
Concorrência saudável.
Acesso amplo.
Cidade viva.
Porque quando há equilíbrio, todos ganham — inclusive quem já está no mercado.
Um convite — não um confronto
Se a regra cria distorções, a regra precisa ser revista. Não para favorecer A ou B, mas para restaurar a normalidade que qualquer cidade precisa para crescer.
Anápolis tem potencial real para se desenvolver sem travas, sem concentração e sem criar barreiras desnecessárias. Mas isso exige discussão. Exige participação. Exige maturidade institucional.
Se você acredita que Anápolis merece um mercado mais justo, mais acessível e mais competitivo, compartilhe essa reflexão. Nenhuma transformação urbana nasce sozinha. Mas, quando muitas mãos empurram na mesma direção, até as estruturas mais antigas precisam ceder.
Gabriel Fernandes é corretor especialista em Desenvolvimento Imobiliário e Colunista do Portal Viva Anápolis


