O que a ciência está nos ensinando sobre a náusea e o nojo

O estado de nosso sistema digestório interfere em como sentimos nossas emoções e respondemos a nosso ambiente.

No início de 2023, a Anvisa aprovou o uso no Brasil de novos medicamentos à base de semaglutida (vendidos sob os nomes de Ozempic e Wegovy), para tratamento de obesidade na presença de outras comorbidades. Estes medicamentos agem como moduladores potentes de apetite, promovendo diminuição da ingestão de alimentos associada à perda de peso, com uma única aplicação semanal. São altamente eficazes, motivo pelo qual o uso desses medicamentos se tornou crescente. Também vêm aumentando neste período evidências de benefícios para a saúde daqueles com indicação médica de uso (obesos com doenças associadas, como diabetes, por exemplo).

O emagrecimento secundário ao uso desses medicamentos não necessariamente vem facilmente, pois seu uso frequentemente é associado a náusea, enjoo e aversão a comida (nojo), que não são sensações agradáveis. Neste sentido, cientistas continuam trabalhando para aperfeiçoar possibilidades de tratamento, incluindo através de ciência básica, por ser a que é mais transformativa. Se por um lado é esperado que enjoos ou náusea sejam presentes em medicamentos que modulam apetite, por serem sensações que levam a ingestão de comida menor, por outro lado sabemos que é possível ter enjoos e náuseas mesmo sem ter comido recentemente, momento em que não temos estímulos que dão sensação de saciedade. Isso indica que saciedade alimentar e náusea não são necessariamente concomitantes, envolvendo processos distintos no cérebro.

Um grupo de pesquisadores liderados pela professora Amber Alhadeff na Filadélfia (EUA) recentemente comprovou que as sensações de saciedade e as desagradáveis formas de aversão a comida como náusea envolvem circuitos cerebrais funcionalmente dissociáveis, embora ambos controlados pela semaglutida. Fizeram isso seletivamente eliminando neurônios que respondem ao medicamento em áreas diferentes do cérebro de camundongos. Depois, trataram os camundongos com as drogas moduladoras de apetite e olharam para alterações na ingestão de alimentos. Surpreendentemente, o grupo descobriu que eliminar os neurônios do hipocampo, uma área sabidamente importante na regulação de apetite, não removia o efeito supressor de fome do tratamento. Isso significa que as drogas não precisam dos neurônios responsivos do hipocampo para diminuir a fome dos animais. Em vez disso, os pesquisadores descobriram que neurônios de duas outras áreas do cérebro estavam envolvidos separadamente na sensação de náusea e de saciedade causada pelo medicamento. Manipulando separadamente estes neurônios, era possível ter o efeito de supressão de ingestão alimentar sem evidências de náusea ou enjoos nos animais.

O trabalho, revisado por especialistas e publicado na prestigiada revista científica Nature, é resultado de ciência básica e que traz quebra de paradigmas, como apontar novas áreas do cérebro em que esses medicamentos atuam, diferentes do esperado. Como tal, a publicação abre várias frentes para novas perguntas, estudos e confirmações por outros grupos com especialidades complementares, e em outros modelos. A sugestão que traz é bem interessante: há populações diferentes de neurônios, que permitiriam em teoria modular apenas aqueles responsáveis por supressão de ingestão alimentar, sem as sensações desagradáveis associadas que as drogas do momento trazem. A partir disso, dá para vislumbrar um mundo em que a ciência desenvolve drogas seletivas e extremamente úteis para várias doenças, capazes de agir especificamente em neurônios nessas diferentes áreas cerebrais, promovendo regulação seletiva da náusea ou ingestão alimentar, separadamente.

Os achados também trazem interessantes questões sobre mecanismos que geram sensações desagradáveis como a náusea e a aversão a comida por desgosto (independentemente da saciedade), algo que ocorre frequentemente em tratamento com certos quimioterápicos contra câncer, por exemplo. A aversão por comida, ou nojo, tem papel importante na nossa defesa evolutiva contra alimentos estragados ou contaminados. Evitar comê-los, mesmo com fome, previne doenças. Mas quando exacerbada, essa sensação não somente é desagradável e debilitante, como pode impedir uma alimentação adequada.

 

Alicia Kowaltowski é médica formada pela Unicamp, com doutorado em ciências médicas. Atua como cientista na área de Metabolismo Energético. É professora titular do Departamento de Bioquímica, Instituto de Química da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia de Ciências do Estado de São Paulo. É autora de mais de 150 artigos científicos especializados, além do livro de divulgação Científica “O que é Metabolismo: como nossos corpos transformam o que comemos no que somos”.

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